Estival 2009


Mostra multicultural movimenta
 cenário artístico joseense


Um evento pulsante! Foi essa a definição que artistas e público deram ao Estival – Mostra de Peças Curtas, um projeto multicultural independente realizado no período de 25 a 29 de novembro, por artistas de São José dos Campos (SP). O evento reuniu cerca de 80 artistas, em oito palcos pela cidade, apresentando uma programação gratuita com trabalhos de curta duração, atingindo uma média de público de 2 mil pessoas.
Com uma programação variada, o Estival apresentou atores, músicos, poetas, fotógrafos, artistas plásticos e cineastas; Todos com objetivo de mostrar e expor seus trabalhos e processos de criação. A mostra circulou pela zona sul e centro da cidade em palcos fixos e itinerantes, como o calçadão no centro e a feira do Colonial.
A mistura de linguagens deu ao Estival a característica de vitrine cultural, fomentando também a troca de conhecimento com a realização de mesas de bate-papo, com Fabiana Monsalú, Reginaldo Nascimento (Teatro), Fernando Selmer e Ridson du Guetto (literatura), Tati Baruel e Renata Martins (cinema). As mesas abordaram como tema os processos de produção contemporânea dentro de cada linguagem.

Planos para 2010: Idealizado pelos artistas Marcus Wesley, Ricardo Veríssimo, Sergio Ponti e Viviane Leite, o projeto foi criado para receber produções de curta duração, que inicialmente não se enquadravam nos moldes dos grandes festivais. A proposta é ter o Estival como um espaço para produções que busquem um caráter experimental e independente com o fazer artístico, proporcionando também a troca de conhecimento.
Para segunda edição a ser realizada em 2010, os idealizadores planejam ampliar as mostras artísticas para outras regiões da cidade, realizar uma mini mostra de cinema, produzir um “fanzine” literário em parceria com poetas da região, além de realizar parte da programação em espaços abertos, como praças públicas. Até lá os interessados podem acompanhar os registros da primeira edição e deixar sugestões no blog oficial da mostra: http://www.mostraestival.blogspot.com/



FOTOS

Abaixo disponibilizamos nos link’s com vídeos e fotos.

www.flickr.com/photos/estivalmostra



por Ricardo Verissimo
Crítica 

Beta Nunes - (Diretora do “Coletivo Negro” e “Cia. Josefina” e crítica de teatro)

"Estival de São José dos Campos” dissemina a arte
em espaços não-convencionais

Atualmente, as notícias sobre a Escola Livre de Teatro de Santo André não são nada alentadoras. Esse pólo de recepção, mas principalmente de formação de artistas-produtores vigorosos, começou a incomodar àqueles que preferem um teatro menos experimental. Num processo intervencionista, esses burocratas da arte querem anunciar o fim de um tempo em que as pessoas se encontram livremente para ver o mundo sob a óptica da arte.

Sementes e vírus, no entanto, espalham-se com o vento e, apesar do caos climático em que vivemos, o estio – tempo de colheita – sempre chega. E se as sementes não vingam sem chuva ou se afogam nas grandes tempestades, os vírus podem contaminar, principalmente no mal tempo. Se nos deixarmos contaminar seremos capazes de contaminar outros e, em contrapartida, poderemos criar anticorpos, saindo deste processo inevitavelmente fortalecidos. Então, a todos que estão na lida diária para que projetos artísticos como a ELT não se percam: a resistência é o melhor remédio.

Exemplo dessa disseminação viral resistente e desordenada foi o “Estival de São José dos Campos”, organizado por um grupo de artistas de diferentes formações, entre eles um ex-aprendiz da ELT. Esse grupo, retornando à casa, à sua cidade e aos amigos, sabiamente ou com impaciência, não esperou o inverno acabar para preparar o verão. Semeando ou contaminando, resolveu criar – e criou – o Estival, caracterizado por seus próprios organizadores como um culto aberto a toda manifestação que se proponha ao diálogo e à experimentação.

Esse (f)estival privilegiou a diversidade de linguagens, em detrimento da qualidade dos projetos artísticos de alguns participantes. Mesmo assim foi possível encontrar trabalhos de jovens artistas bastante antenados com o debate da produção sociocultural contemporânea. As apresentações de peças e cenas curtas, exibições de curtas-metragens, performances musicais, exposições fotográficas e ciclos de palestras ofereceram a uma platéia atenta e até que numerosa um leque de opções capaz de dar um panorama de como o circuito não-oficial da cidade tem pensado e produzido arte. A ocupação urbana, em diferentes espaços, tais como feiras livres, Sescs, pontos de cultura e principalmente a rua, demonstrou também a necessidade dos artistas de fazerem a arte circular, quebrando o paradigma de apresentações destinadas a seus pares ou aos freqüentadores de espaços culturais.

Exemplo da propagação de arte de qualidade para todos, realizada em espaços não-convencionais, foi a apresentação da peça “Sacra Folia”, de Luis Alberto de Abreu, com a Cia. Balaio das Artes, em plena feira livre de domingo [no bairro do Colonial]. O espetáculo retoma o princípio da festa, da cultura popular, da carnavalização do mundo, des-hierarquizando as funções e convidando todos os transeuntes, os quais em um momento de suspensão de seu cotidiano decidiram ser co-participantes desse grande palco. A Cia. Balaio das Artes, ao utilizar elementos como a linguagem coloquial e a comicidade na forma de narrar, na música, na dança, na maquiagem e no figurino, reforçou o caráter popular do espetáculo, criando assim um movimento empático de encontro entre o público e os artistas. Esse foi um dos pontos altos.

O Estival, no entanto, não se iniciou num domingo, dia propício para a inversão do nosso cotidiano. O Pré-estival acontecera uns dias antes, tendo sua abertura numa sexta-feira chuvosa, o que impossibilitou, infelizmente, algumas apresentações. No sábado, o debate sobre teatro contemporâneo, com participação de Fabiana Monsalú e Reginaldo Nascimento, foi realizado na antiga fábrica dos cobertores Parahyba, hoje transformada em Casa de Cultura [ASSAOC]. Lembram-se desses cobertores? Eles eram vendidos de casa em casa, em todo o interior paulista. Para alguns, saber dessa informação é mergulhar imediatamente na infância, o que transforma o centro cultural em um espaço afetivo de memórias individuais e coletivas, portanto rico em história.

Naquele momento, discutia-se o teatro contemporâneo, porém entre o teatro colaborativo e a poética pós-dramática ficou evidente que o teatro sofria ainda de velhos recalques e cansativos embates. Um ventilador parado, na instituição ao lado, acabou representando o quanto as artes cênicas brasileiras caminham, atualmente, a passos lentos e com esforços imensos.

O ventilador, que por falta de requerimento oficial não podia exercer sua função, também fora solicitado para fazer parte da performance “Adejo Moderato”, da Ágrafos e Prolixos Cia. solo com Marcus Wesley. A performance foi cancelada, o tal ventilador era realmente importante. A cena não encenada e o calor nos lembravam disso a toda hora.

Se o oficialato, também o artístico, por um lado, professa apenas a arte solicitada através dos editais, dos requerimentos e patrocínios, existe, por outro lado, esse tipo de gente contaminada durante o calor do verão por um vírus pestilento que toma o espaço público para si, considerando-o um sítio aberto ao encontro, ao diálogo e à festa, pervertendo assim a ordem estabelecida. Perverter a ordem parece coisa datada, como pareceu ocorrer a algumas apresentações, que não conseguiram revisitar, com uma percepção contemporânea, as suas propostas. Era este, porém, o desejo de todos os participantes, criar uma lógica própria, mesmo que temporária e instantânea, em que as relações se baseiam num fraterno encontro estético.

O artista contemporâneo concentra-se cada vez mais nas relações sociais que sua obra de arte pode estabelecer. Tanto no campo ideológico como no prático-formal a arte se configura na esfera das relações humanas. Assim as festas, as reuniões, os locais de convívio, as diversas manifestações intersubjetivas se tornam formas artísticas que podem e devem ser consideradas objetos estéticos. O Estival legitimou, mesmo clandestinamente, essa prática em que os elementos formalizados são intermediários entre as pessoas e o mundo.

Por estranho que pareça, as linguagens que mais se aproximaram desse projeto da arte atual no Estival foram as artes plásticas aliadas à poesia, especificamente a exposição [“Tudo no seu devido lugar + ou –”] de Fernando Selmer, que incluía claramente o circuito do observador como co-autor do seu trabalho. Algumas récitas de poesia também proporcionaram um encontro mais intenso entre obra, artista e público.

Sobre música, tema sobre o qual posso tecer comentários somente como espectadora, afirmo apenas que as apresentações de Rafael Matar e seu companheiro, do piano de Celso Mello, das composições próprias de Lukas Albuquerque e do som de Glauco Rossi eram, de fato, músicas para o ouvido. Cada um no seu estilo, os músicos citados respeitavam profundamente o ouvido do espectador, o que pode parecer pouco, mas não é, diante do lixo que temos recebido das mídias.

A Mostra de Peças [Teatrais] Curtas, destaque do Estival, recebe aqui um enfoque mais abrangente. A maioria das cenas apresentava uma vocação para o grotesco, para o cômico, privilegiando, num retrato ampliado e distorcido do cotidiano, o ridículo, o riso, com fim primeiro de causar análise crítica e/ou reflexão. Nessa linhagem podemos destacar as cenas “Matador de Passarinho” e “ Produtor Cultural”, de Jean Carlos e Renato Junior, as quais, juntamente com “O amor não tem sexo”, do Teatro do Rinoceronte, mostraram que a brincadeira era séria, não porque eles não se divertiam no espaço cênico, mas justamente por isso. Ali se via maturidade, ou, se quiserem, experiência. Por trás de uma aparente descontração, ficava evidente um trabalho de pesquisa de ator, de busca de linguagem e um contato direto com o público.

Sergio Ponti, um artista na verdadeira acepção da palavra, esteve envolvido em diferentes funções, desde integrante da coordenação do Estival a ator de performances contundentes, nas quais palavras de baixo calão eram usadas, trazendo com isso a potência social que a palavra contém ao expressar o Eu de um indivíduo em busca de seu grito primeiro e libertário. Já as cenas dirigidas por Ponti parecem não ter tido tempo para amadurecer, principalmente em relação ao trabalho dos atores, que apesar de cheios de boa vontade, ainda não se apresentavam com a força que a cena necessitava para sua formalização. Encontram-se neste caso tanto “Mastubatiãon
Scena” quanto “SóriZu grotescu”.

Seguindo a mesma linha, mas já apresentando um projeto artístico mais claro, que é fazer humor jovem para jovem, O Clube dos Cafajestes [com a cena “Telemarketing do Crime Organizado”] apresentou atores também bastante inexperientes, contudo com potencial para provocar o riso. Pode parecer reducionista o desejo dessa garotada de focar a adolescência e a juventude, tratando-se, entretanto, dessa parcela da população, esse enfoque é bastante pertinente, uma vez que praticamente inexistem projetos artísticos que a privilegiem. É comum esquecerem que o adolescente não é nem uma criança grande nem um adulto pequeno, sendo por isso merecedor de uma estética que consiga representar seus anseios, desejos, medos e até mesmo suas superficialidades.

A cena – não tão curta – da Cia. Pitada de Rapé, baseada em Memórias Póstumas de Brás Cubas, não conseguiu representar os questionamentos humanos intrínsecos à obra machadiana, talvez por ter sido adaptada de um espetáculo maior. O recorte cênico, primorosamente apresentado, com um belíssimo figurino, um cenário impecável e uma atuação rigorosa não se completam. O tempo todo transparece ao espectador a falta de alguma coisa. Encenar o texto mais conhecido da prosa de Machado de Assis sempre é uma atitude arriscada, uma vez que propor uma nova leitura, que não pareça apenas uma montagem para facilitar a vida de pré-vestibulandos não leitores, requer do grupo um mergulho profundo na miséria humana proposta pelo autor.

No domingo as apresentações mantiveram a mesma tônica do grotesco cômico. Merece aqui ser novamente comentado, mesmo que brevemente, o trabalho dos atores Jean Carlos e Renato Jr., que com humor ácido sintetizam na cena “Produtor Cultural” todo o enfretamento dos artistas com o poder público, “homenageando todos os realizadores do Estival de São José dos Campos”. Já “Mary Mouri” apresenta uma atriz que entende do que faz – humor –, mas que não consegue realizar seu plano inicial, o de causar riso no público. Isso ocorre porque, dramaturgicamente, a cena é muito frágil. Em “História para casar”, a Cia. Cubo Mágico demonstra rigor e método no seu projeto de pesquisa sobre o clown, perdendo, no entanto, com isso um pouco da espontaneidade e da leveza que a cena precisaria ter para concretizar esse tipo de linguagem. Além das cenas curtas, o último dia do encontro teve também o bate-papo com Tati Baruel e Renata Menezes, duas realizadoras da linguagem áudio-visual, o que é bom sinal, por ser essa uma área ainda predominantemente masculina.

Depois de toda essa maratona artístico-cultural, o Estival foi finalizado com a performance culinária de Viviane Leite e Marcus Wesley. O texto “Cozinho para canibais” é um genuíno manifesto da arte contemporânea, uma vez que preconiza o evento artístico como um potente catalisador de encontros. O feijão delicioso e a farofa sem igual, feitos em cena por Viviane e seguidos pelo belo e escatológico texto escrito por ambos e falado por Marcus Wesley, são oferecidos à platéia. Os dois artistas propõem a comunhão da carne e do vinho, em que antropofagicamente nos alimentamos de nós mesmos numa grande ceia que não busca diferenciar o sagrado do profano, pois o que importa realmente é o outro que colheremos em nós.


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Clipping
Das muitas matérias que divulgaram o projeto, postamos quatro coberturas que foram mais completas.






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Registros e Ações

Jantar de lançamento do projeto

No dia 19 de agosto, às 20h, aconteceu o Território Bar em São José dos Campos, o jantar de lançamento do projeto Estival - Mostra de Peças Curtas. A noite reservou momentos especiais com cenas e música ao vivo, além de intervenções e declamações de poesias. O cardápio ficou por conta da produtora Viviane Leite, com os pratos escondidinho de carne seca e salada de vegetais. O evento deu início à abertura do projeto, que acontecerá nos dias 27, 28 e 29 de novembro em São José dos Campos. Confira algumas fotos.



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